Missão: lecionar
Joaquim Lunckes é o mais antigo professor em atividade da rede municipal de ensino. Ele conta nessa entrevista especial do Dia do Professor sobre a decisão pela vocação e os desafios de ser educador
18/10/2023 às 08:55 - Salvador do Sul
Uma missão de vida. Com essa visão que já são 37 anos de magistério, 32 deles na rede municipal de ensino. Joaquim Inácio Lunckes é hoje o professor do quadro de servidores públicos municipais mais antigo em atividade. Sempre encarou a vocação com respeito e essa caminhada, que está prestes a se encerrar com a chegada da aposentadoria, foi e continua repleta de desafios, como é a vida de um professor no país. Mas se tem percalços, tem também as alegrias. Uma delas foi a recente alfabetização de sua sobrinha, Andriele. Portadora de síndrome de down, foi aluna do professor e tio Joaquim, e hoje orgulha toda a família com a habilidade conquistada com a confiança depositada na menina e claro, o empenho da aluna. Ao ler um trecho de um texto sobre um caramujo colorido, o professor Joaquim observa com o contentamento que, só quem tem amor pelo que faz, sabe do que estamos falando. ‘Ser professor hoje é só mais uma profissão entre tantas. Perdeu-se aquele status que antigamente tinha. Mas para mim, trabalhar sobretudo com crianças, ser testemunha da inocência, da pureza delas, faz tudo valer a pena. Não podemos desistir da pessoa humana’, refletiu Joaquim.
O professor Joaquim é também diretor da escola estadual Adolfo Flor, da comunidade rural da Linha Comprida. Também assumiu como missão manter essa escola de portas abertas, mesmo com as tentativas incessantes do Estado de inviabilizar que a instituição siga sua história. E que história. Desde 1958 a escola pública funciona na comunidade e agregou a escola católica que também funcionava no local, ao lado da igreja, no ano de 1975. E foi graças ao lecionador dessa escola católica que Joaquim teve a inspiração para ser um professor. Ele era o seu pai, Clério. Ele e a mãe Elia, que fazia as merendas para os alunos, atendiam os alunos da Linha Comprida na pequena escola paroquial. ‘Apesar da inspiração, meu pai se decepcionou com a minha escolha. Ele sabia da falta de reconhecimento dos professores’, recorda.
E se há algumas décadas o professor passava pela falta de apoio da sociedade, hoje em dia não parece ter mudado muito. Pesquisas recentes mostram que até hoje professores seguem sendo os mais mal remunerados no Brasil, sobretudo professor de séries iniciais. A pandemia acabou acelerando também a desqualificação na educação. O professor Joaquim conta que lamenta o método que hoje as mantenedoras impõem às crianças. ‘São conteudistas, não importa o conhecimento, o aprendizado está de lado. Querem acabar com as lacunas do aprendizado que ficaram na pandemia, quando nenhum aluno poderia reprovar, mesmo aqueles que não fizeram nada, sacrificando alunos e professores. Que tipo de adultos teremos com essa pressão? Crianças sem tempo de ser crianças. Pais obrigando as famílias a educar, quando a escola deveria ter somente a obrigação de ensinar’, afirma. Mas se de um lado há pouca valorização, de outro tem muita gratidão. ‘É dos alunos que recebemos a maior recompensa. Realizamos um projeto que falava das pessoas que perdiam as cores, ficavam cinzas, mas ao abraçar quem amavam, voltavam a ser coloridos. Todos os dias recebo muitos abraços dos nossos alunos’, conta.
Joaquim tem uma trajetória intensa na educação. Além de diretor, atuou em praticamente todas as escolas municipais, inclusive do município vizinho São Pedro da Serra, antes de sua emancipação. Antes de chegar ao município, foi professor no município de Dois Irmãos, tendo passado em primeiro lugar no concurso na época. Mas com o casamento com a também professora Meri fez com que voltasse à terra natal. Com a esposa, também foi professor de dança. Por alguns anos lecionou danças, gauchesca e alemã, na oficina municipal de artes. Elegeu-se vereador a primeira vez em 2013 e foi reeleito. Não concluiu o mandato por priorizar a escola da Linha Comprida e a real chance da mesma ser fechada. Voltou para a direção e está até hoje.
Seu pai, antes chateado pela escolha do filho, viu sua família ser preenchida por mais e mais educadores. O irmão Fernando tornou-se professor universitário, a nora, a cunhada e mais recentemente a neta, Sandy, filha de Joaquim, é formada em pedagogia com especialização em educação infantil. ‘Sei que o reconhecimento de anos atrás era maior, inclusive uma ex-aluna minha já esteve aqui na escola e presenteou todos os alunos só porque eu fui seu professor no passado. Mesmo hoje, com tantos recursos, a valorização é menor’, avalia.
Missão. Não querem ser super-heróis, mesmo tendo que enfrentar diariamente o caos social que a profissão exige, ser professor é remar contra a maré. Quando todos estão abnegados em aumentar a demanda, com burocracia, desestruturação da sociedade, história de desrespeito à profissão, eles seguem, firmes na missão de transformar. Para Joaquim, quando chegar o momento de se aposentar, vai encarar com fim do ciclo. Ciclo esse que dá para se orgulhar.