O caingangue que dá nome a uma rua de Salvador do Sul

Boa parte das ruas de Salvador do Sul tem nomes que homenageiam figuras importantes - ou mesmo controversas - do passado

10/08/2023 às 10:40 - Salvador do Sul

O caingangue que dá nome a uma rua de Salvador do Sul
O caingangue que dá nome a uma rua de Salvador do Sul


Boa parte das ruas de Salvador do Sul tem nomes que homenageiam figuras importantes - ou mesmo controversas - do passado. Exemplos como a avenida Duque de Caxias, homenagem ao monarquista brasileiro, ou Rua Rui Barbosa, jurista, ou Rua Padre Reus, líder religioso. Para resgatar essa história, no ano em que Salvador do Sul completa seus 60 anos de emancipação política, vamos contar quem foram as pessoas que deram nome às ruas do município e tentar descobrir as motivações da homenagem.
Uma das controversas escolhas se trata da Rua Luiz Bugre. Localizada no bairro Vila Nova, perguntamos para alguns moradores e muitos desconhecem quem foi Luiz Bugre. Nomeada em novembro de 1984, pelo então prefeito Valério Calliari, outras ruas também foram ‘batizadas’ na mesma oportunidade, como as ruas Jacob Hermes, 09 de outubro, e Bela Vista. Na mesma lei, de número 907, há justificativa para a escolha do nome Luiz Bugre, que é descrito da seguinte forma: ‘Uma das primeiras pessoas que percorreu a região de Salvador do Sul e através das narrativas de sua história, muitos chegaram a conhecer mais de perto os pontos que caracterizam toda a região, com montanhas e vales. No contato com os índios, foram iniciadas as primeiras colonizações com culturas variadas’.
Mas Luiz Bugre foi muito mais que um provável morador da região. Batizado aos 11 anos como Luís Antônio da Silva Lima, mais adiante recebeu o apelido pejorativo de Luiz Bugre, por sua ascendência indígena. A história conta que na região que hoje é a idade de São Vendelino, durante os primeiros anos da colonização alemã, em 1868, a mulher e dois filhos do colono Lamberto Versteg, de origem holandesa em meio aos alemães, foram sequestradas por índios caingangues que viviam nas matas. Pesquisas apontam que o provável mentor desta operação indígena, era Luiz Bugre.
A história é digna de filme. Conforme algumas publicações, a tribo teria sido invadida pelos colonos alemães na então Picada Feliz, às margens do Rio Caí onde hoje é o município de Feliz. Após o alerta dado por uma corda que acionava uma lata barulhenta, o proprietário da plantação acordou e, seguindo o combinado com os vizinhos que se ajudavam nestas ações, saiu atirando contra o grupo que pilhava um milharal. A fuga dos ameríndios deixou, ferido para trás um jovem de 11 anos, que passa então a ser criado por um colono de origem luso-brasileira, em meio uma comunidade germânica, Luiz Bugre.
Com o passar dos anos, o sangue falou mais alto e esse menino então batizado com Luis Antônio Fonseca, volta a se relacionar com sua tribo e talvez construir uma relação mais pacífica entre estas duas etnias. Até o dia em que uma crítica de Lamberto Versteg teria chegado seus ouvidos, causando sua ira. Sabendo da ausência deste patriarca da sua casa para passar uns de dias fora, Luiz Bugre visita a propriedade para demonstrar amizade a mulher e os filhos, indicando o uso de uma bandeira branca para afastar eventuais saques dos caingangues.
Mas na realidade foi um sinal para o sequestro e a convivência desta família por alguns anos em meio aos índios. A história a partir daí foi inclusive tema de um livro reescrito por um descendente de Jacob Versteg (filho de Lamberto com 14 anos a época do sequestro) a partir do relato deste a um padre no começo do século XX. Isto porque Jacob foi o único que sobreviveu a uma tentativa de fuga do domínio da tribo, que acabou matando a irmã e a mãe. O já jovem, depois de inúmeras experiências vividas na tribo, caminha longos quilômetros até ser acolhido por um escravo de um fazendeiro brasileiro dos campos de cima da serra.
Sua história e o reencontro com seu pai em São Leopoldo, se deu somente após um tropeiro que passava pela região, e que falava alemão, conhecer a sua versão da história. Que já corria por toda a colônia. Pai e filho voltaram a viver juntos por um tempo, até Jacob se casar e viver em Desvio Blauth, distrito de origem germânica na cidade de origem italiana de Farroupilha. É lá que o casal está enterrado comprovando de certa forma sua existência.
Já Luiz Bugre teria se casado com uma imigrante italiana e inclusive se apresentado como também vindo da Europa as autoridades, para receber um lote em 1876. Sua morte ao se afogar onde hoje é o município de Poço das Antas, levanta dúvidas sobre a veracidade, pois era sabido que os índios eram hábeis nadadores.
Um verdadeiro choque de civilizações envolvendo sul-americanos originários (ou ameríndios) e descendentes de europeus de Portugal, fundadores do Brasil; europeus vindos da Alemanha, da Itália e de Holanda; e africanos que imigraram forçadamente na condição de escravos.