A potência da solidariedade

Noite de terça. Muitos rostos apreensivos enfileirados atrás de uma fita de isolamento. Uma luz do teto do veículo dos Bombeiros Voluntários de Salvador do Sul e São Pedro da Serra ilumina uma pequena parte de uma tragédia. O local está silencioso. Só muda quando os bombeiros e brigadianos irrompem o vazio para chamar por sobreviventes. A primeira voz é de Francisco Deitos, 72 anos, resgatado pela equipe dos bombeiros voluntários e Brigada Militar no local do deslizamento ocorrido na Linha Cangerana, em Salvador do Sul, um dos primeiros locais no Estado a sofrer com as chuvas. Bombeiros Voluntários e Brigada Militar são a única garantia de sobreviver. Colocando-se em risco, inclusive. Mas focados em resgatar pessoas.

Francisco, popular Fiapo, foi tirado dos escombros com apenas algumas escoriações. Durante o salvamento, uma nova movimentação do deslizamento atingiu o soldado Marcos Luiz de Lima Melo, que estava no local. Ele teve um corte na mão.  Ele foi conduzido ao Hospital São Salvador junto ao idoso resgatado.

Além do soldado Melo, soldados Robison de Carvalho e Rafael de Oliveira Jaques se uniram ao corpo de bombeiros voluntários. A presidente dos bombeiros, Márcia Forneck, o sub-comandante Djeisson Niedermayer, Marco Mendonça, Franciele Waliszevski, Deise Neumann, Alexandre Chies, Davi Ebeling, Thaimara Lima, André Maciel, Lucas Padilha, Daniel do Prado e Luciana Gabriel foram os heróis no momento de maior tensão. Após o resgate da primeira vítima, o segundo sobrevivente do deslizamento, o jovem Denis Pereira Nunes, de 19 anos, passou algumas horas preso nos escombros. Sempre em contato com os bombeiros, Denis falava sobre sua situação, ajudava os profissionais a resgatá-lo com segurança. E assim o fizeram. Por volta das 23h30 ele foi retirado do local e também com poucas escoriações.

Dia seguinte. A chuva torrencial causa pânico nos moradores de Júlio de Castilhos. A estrada geral já havia deslizado e agora os moradores do loteamento Steffens estavam isolados, sem ter por onde escapar. Um homem, quase 80 anos, acamado e precisando de oxigênio precisava sair do local de risco. Enquanto tomavam a decisão, bombeiros e vizinhos decidiram encarar a chuva e subir por uma trilha muito íngreme. O idoso, seu Otávio, filho do Tucho, como é conhecido popularmente, foi carregado por 12 pessoas. A cena, somente na memória. Mas para o filho, uma imensa gratidão. ‘Vou morrer dizendo obrigado’, disse ele. Além de resgatar o idoso, os bombeiros subiram a trilha carregando os tubos de oxigênio do seu Otávio. Cada um pesando mais de 100 kg.

Os bombeiros que atuaram em Salvador do Sul e São Pedro da Serra, desde o dia 30 de abril resgataram 11 pessoas e realizaram 33 atendimentos, muitos em circunstâncias de risco e debaixo de muita chuva, como acabamos de relatar. As buscas e os salvamentos tiveram apoio das viaturas e veículos da corporação. Depois de atuarem em missão por quase 200 horas, praticamente de forma ininterrupta, em uma situação tão adversa e cheia de desafios, a gratidão da comunidade é enorme. Com dores e traumas, memórias permeadas pelas perdas, lutas e lutos, mas na esperança de dias melhores, cada cidadão salvadorense e são-pedrense sente e externa um profundo agradecimento aos heróis de toda uma comunidade. ‘Nossos eternos guerreiros, parabéns pelo excelente trabalho, anjos de todas as horas, vocês merecem nosso reconhecimento e respeito!’, escreveu uma moradora nas redes sociais. ‘O maior avanço que tivemos nas nossas cidades na última década foi a criação dos bombeiros voluntários. Existe um antes e um depois, daria para listar centenas de casos que os bombeiros salvaram o dia’, declarou outro.